Se não podemos dispor de prova
científica de tudo que diz respeito à realidade sobrenatural, ao mundo
invisível e celeste, também não podemos provar nossa fé na ressurreição de
Jesus. Sinais, relatados nos Evangelhos, não provam essa fé, mas da mesma se
originaram e a confirmam. O fato é que a morte na cruz, tradicionalmente
implicava rejeição por parte de Deus, como lemos no Deuteronômio: “Maldito
de Deus é quem sofre o castigo da cruz”.
(Deut.21,23)
Isto significava: uma pessoa
crucificada não podia merecer a aprovação de Deus e, portanto, era rejeitada
por todos. Dessa forma, Jesus crucificado não tinha condições de ser mensageiro
de Deus. Consequentemente, tudo o que ele fizera e ensinara não passava de uma
simples ilusão, um tremendo fracasso. Assim o compreenderam os discípulos, logo
após o drama no Calvário. Deram por encerrada a missão e decidiram retornar à
atividade costumeira de sua profissão. Colheram uma grande desilusão. O sonho
se foi. E agora José?
Mas, antes, algo novo havia acontecido.
Jesus, em sua atividade no meio do povo, tirara o véu que, em boa parte, ainda
encobria o mistério de Deus. Graças ao modo de se relacionar com Deus, de lidar
com o povo a partir da fé e de transmitir-lhe sua mensagem, ele apresentara aos
discípulos, uma luz nova a respeito de Deus. Tratava-se de um mistério presente
em tudo e todos, fragmentado em suas criaturas - todas merecedoras de sua
infinita compaixão.
Já não se tratava de um Deus
distante, gerente de um poder ameaçador, nem mesmo de uma pessoa como nós que,
de fora e de cima, regulava tudo. Se Deus não impedia o mal, dentro do mesmo
ele se apiedava dos malfeitores. Se não podia impedir o pecado, dentro do mesmo
atingia, com sua compaixão, os pecadores. E se não lhe cabia evitar a morte dos
justos, dentro da mesma se debruçava sobre eles. Sem livrar da morte, ele fazia
vencê-la.
Jesus revelara esse mistério, mas
os discípulos não tinham sido capazes de alcançá-lo em sua profundidade. Um
fato novo tinha de acontecer – a prisão e morte de Jesus – para que a luz da
ressurreição se acendesse na mente e no coração dos discípulos. Levou algum
tempo. Discípulas, como Maria de Mágdala e suas companheiras, mostraram maior
compreensão e sensibilidade frente a esse mistério. E puderam despertar os discípulos
para essa novidade.
O que houve exatamente, não o
sabemos. Certo é que o confronto com a morte de Jesus serviu para que,
questionados, os discípulos suspeitassem que a cruz já não era sinal da
desaprovação de Deus. Pelo contrário, se Deus não libertara Jesus da morte, na
mesma ele o assistira para que, em uma perda provisória, se tornasse portador
de um ganho definitivo. Não foi assim que Jesus mesmo os tinha prevenido? Se
nos podem matar no corpo, a vida ninguém nos tira. Grão de trigo somos todos e,
pela morte, vida plena há de se revelar em nós.
“Eu vim para que tenham vida, e a
tenham em abundância” (João, 10,10). Eis
que o véu se rasga. Agora, a visão se clareia, a paz retorna e a missão
se inicia. O medo dá lugar à coragem, a ignorância é substituída pela confiança
da fé, o isolamento se transforma em inserção na história do povo e o
particularismo da religião é substituído, progressivamente, por universalismo.
Sim, Jesus ressuscitou. Agora, cabe a todos renascer e beber da nova fonte.
Jamais aconteceu na história
humana um evento tão significativo, capaz de provocar uma reviravolta sem
igual. Jesus ressuscitado. Pena é que não demorasse muito para que, por
influência do poder profano, uma nova cegueira ocultasse a beleza do mistério.
Passou-se a apresentar Deus como juiz. Mataram o Deus que faz levantar o sol
sobre justos e pecadores. Em lugar dele, colocaram um Deus – juiz belicoso com
a ameaça de pena eterna.
Durante longos séculos imperou o
medo do julgamento iminente. Na Idade Média foi tétrica a espiritualidade da
condição de pecador, de medo do castigo, da necessidade de penitência, de
sofrimentos de toda espécie, da negociação com indulgências, porque Deus
inspirava angústia. Humano em sua sensibilidade e vingativo, era preciso aplacar
sua ir com recursos de negociação mediante promessas, votos, penitências e
devoções. Sua grandeza pesava sobre a criatura humana. E pior, o fim com seu
julgamento era motivo de ficar apavorado. E os que eram salvos, ficavam
aprisionados em sofrimentos do purgatório.
Inventaram, então, um novo
alívio– mais antigo que o Cristianismo – com a doutrina da re-encarnação. Deus
deixou de ser quem perdoa setenta vezes sete. Ele impõe uma prestação de contas
com todo rigor. Graças à reencarnação, o julgamento se concentra na iniciativa
da própria pessoa. Ela mesma, na hora da morte, há de avaliar-se quanto a seu
novo destino. Pode reencarnar-se a fim de, por obras suas - não por graça – se
tornará digna de Deus.
Seguidores de Jesus, na trilha
dos apóstolos, festejamos a gratuidade da Salvação. Esta não carece de
re-encarnações, pois é dádiva que depende, primeiro, de Deus e, depois, de
nossa receptividade. Justiça retributiva não há. Há graça, encontro em clima de
festa. Justos se reconhecerão pecadores e estes se reconhecerão portadores da
graça. Haverá alívio, confiança e gratidão por parte de todos em clima de festa
permanente , na qual não faltará vinho para ninguém.
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Frei Cláudio van Balen
Igreja do Carmo