quinta-feira, 4 de abril de 2013

RESSURREIÇÃO


Se não podemos dispor de prova científica de tudo que diz respeito à realidade sobrenatural, ao mundo invisível e celeste, também não podemos provar nossa fé na ressurreição de Jesus. Sinais, relatados nos Evangelhos, não provam essa fé, mas da mesma se originaram e a confirmam. O fato é que a morte na cruz, tradicionalmente implicava rejeição por parte de Deus, como lemos no Deuteronômio: “Maldito de  Deus é quem sofre o castigo da cruz”. (Deut.21,23)

Isto significava: uma pessoa crucificada não podia merecer a aprovação de Deus e, portanto, era rejeitada por todos. Dessa forma, Jesus crucificado não tinha condições de ser mensageiro de Deus. Consequentemente, tudo o que ele fizera e ensinara não passava de uma simples ilusão, um tremendo fracasso. Assim o compreenderam os discípulos, logo após o drama no Calvário. Deram por encerrada a missão e decidiram retornar à atividade costumeira de sua profissão. Colheram uma grande desilusão. O sonho se foi. E agora José?

Mas, antes, algo novo havia acontecido. Jesus, em sua atividade no meio do povo, tirara o véu que, em boa parte, ainda encobria o mistério de Deus. Graças ao modo de se relacionar com Deus, de lidar com o povo a partir da fé e de transmitir-lhe sua mensagem, ele apresentara aos discípulos, uma luz nova a respeito de Deus. Tratava-se de um mistério presente em tudo e todos, fragmentado em suas criaturas - todas merecedoras de sua infinita compaixão.

Já não se tratava de um Deus distante, gerente de um poder ameaçador, nem mesmo de uma pessoa como nós que, de fora e de cima, regulava tudo. Se Deus não impedia o mal, dentro do mesmo ele se apiedava dos malfeitores. Se não podia impedir o pecado, dentro do mesmo atingia, com sua compaixão, os pecadores. E se não lhe cabia evitar a morte dos justos, dentro da mesma se debruçava sobre eles. Sem livrar da morte, ele fazia vencê-la.

Jesus revelara esse mistério, mas os discípulos não tinham sido capazes de alcançá-lo em sua profundidade. Um fato novo tinha de acontecer – a prisão e morte de Jesus – para que a luz da ressurreição se acendesse na mente e no coração dos discípulos. Levou algum tempo. Discípulas, como Maria de Mágdala e suas companheiras, mostraram maior compreensão e sensibilidade frente a esse mistério. E puderam despertar os discípulos para essa novidade.

O que houve exatamente, não o sabemos. Certo é que o confronto com a morte de Jesus serviu para que, questionados, os discípulos suspeitassem que a cruz já não era sinal da desaprovação de Deus. Pelo contrário, se Deus não libertara Jesus da morte, na mesma ele o assistira para que, em uma perda provisória, se tornasse portador de um ganho definitivo. Não foi assim que Jesus mesmo os tinha prevenido? Se nos podem matar no corpo, a vida ninguém nos tira. Grão de trigo somos todos e, pela morte, vida plena há de se revelar em nós.

“Eu vim para que tenham vida, e a tenham em abundância” (João, 10,10). Eis  que o véu se rasga. Agora, a visão se clareia, a paz retorna e a missão se inicia. O medo dá lugar à coragem, a ignorância é substituída pela confiança da fé, o isolamento se transforma em inserção na história do povo e o particularismo da religião é substituído, progressivamente, por universalismo. Sim, Jesus ressuscitou. Agora, cabe a todos renascer e beber da nova fonte.

Jamais aconteceu na história humana um evento tão significativo, capaz de provocar uma reviravolta sem igual. Jesus ressuscitado. Pena é que não demorasse muito para que, por influência do poder profano, uma nova cegueira ocultasse a beleza do mistério. Passou-se a apresentar Deus como juiz. Mataram o Deus que faz levantar o sol sobre justos e pecadores. Em lugar dele, colocaram um Deus – juiz belicoso com a ameaça de pena eterna.

Durante longos séculos imperou o medo do julgamento iminente. Na Idade Média foi tétrica a espiritualidade da condição de pecador, de medo do castigo, da necessidade de penitência, de sofrimentos de toda espécie, da negociação com indulgências, porque Deus inspirava angústia. Humano em sua sensibilidade e vingativo, era preciso aplacar sua ir com recursos de negociação mediante promessas, votos, penitências e devoções. Sua grandeza pesava sobre a criatura humana. E pior, o fim com seu julgamento era motivo de ficar apavorado. E os que eram salvos, ficavam aprisionados em sofrimentos do purgatório.

Inventaram, então, um novo alívio– mais antigo que o Cristianismo – com a doutrina da re-encarnação. Deus deixou de ser quem perdoa setenta vezes sete. Ele impõe uma prestação de contas com todo rigor. Graças à reencarnação, o julgamento se concentra na iniciativa da própria pessoa. Ela mesma, na hora da morte, há de avaliar-se quanto a seu novo destino. Pode reencarnar-se a fim de, por obras suas - não por graça – se tornará digna de Deus.

Seguidores de Jesus, na trilha dos apóstolos, festejamos a gratuidade da Salvação. Esta não carece de re-encarnações, pois é dádiva que depende, primeiro, de Deus e, depois, de nossa receptividade. Justiça retributiva não há. Há graça, encontro em clima de festa. Justos se reconhecerão pecadores e estes se reconhecerão portadores da graça. Haverá alívio, confiança e gratidão por parte de todos em clima de festa permanente , na qual não faltará vinho para ninguém.
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Frei Cláudio van Balen
Igreja do Carmo

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