terça-feira, 27 de agosto de 2013

JESUS RE-AVALIADO

 

“Nele, a plenitude divina está historicamente presente”.

(Col.2,9)

 

Jesus é o ‘único’, no qual - primogênito da criação, homem de carne e osso - Deus se fez presente de forma singular. Nele, no todo de seu ser e existir, ‘Deus’ se revelou, embora Jesus não coincidisse, ‘em tudo’, com Deus. Nem fugiu da realidade: “O Pai é maior”, e Jesus veio cumprir, de forma singular, sua vontade. A universalidade de nossa fé em Cristo não há de ser ‘unilateral’ e ‘superior’. Tampouco, a riqueza, revelada, em e por Jesus, se limita a ele nem se esgotou nele. Por Deus ser ‘infinito’, não há medida ‘humana’, na qual ele caiba. Consequentemente, há caminhos diferenciados e convergentes de acesso a Deus e à Salvação.

 

Podemos falar de um ‘inclusivismo pluralista’, tanto mais que o Espírito sopra onde quer. Aliás, quanto à ‘letra’, Jesus só inovou a insistência de que Deus é ‘amor’. Encontramos tanta beleza em outras espiritualidades e filosofias de vida! Jesus veio confirmar essa riqueza com a ‘unicidade’ de seu testemunho. Quem confere ‘exclusivismo’ à salvação, mediada por Jesus, trai seu testemunho (Atos 10). Nesse caso, se poderia falar da ‘unicidade’ de Jesus como ‘salvador’ que, por sua vez, impediria o diálogo inter-religioso nas comunidades de fé. Tal forma de ‘globalização’ impediria o ‘pluralismo’ fraterno com seu ‘diálogo inter-religioso’ e intercultural entre irmãos, o que costuma acontecer nas comunidades de fé.

 

Tudo indica o fato – embora não possamos acentuá-lo demais – de que Deus se revelou, de forma ‘peculiar e definitiva’ em Jesus. Nem por isso, podemos subestimar ‘outras’ revelações. A particularidade atribuída a Jesus não pode negar o valor de outras ‘religiões’, tanto mais que Jesus não é a ‘causa’ da salvação; só Deus o é. Aliás, em todo ser humano se reflete – de forma menos acentuada - o mistério da ‘encarnação’, sendo o ser humano ‘capaz de Deus ‘ por natureza e confirmado em sua ‘filiação’ divina. Já se observou – e nos evangelhos há confirmações – que, em Jesus, ser ‘totus Dei’ ( ‘todo’ de Deus) é uma coisa; outra, bem diferente, é ser ‘totum Deus’ (em ‘tudo’, Deus). Se ‘qualitativamente’  há o ‘divino’ em Jesus, ele não pode competir com Deus ‘quantitativamente’. Aqui, quantidade é também ‘qualidade’. Se Cristo é ‘divino’, nem ‘tudo’ nele é divino  (Totus sed non totum – Tudo, mas não todo). Tudo, pois, que é recebido se adapta ao recipiente. (Aristóteles) Ora, como ser ‘humano’, Jesus não é capaz de conter a plenitude divina.

 

Se, em Jesus, Deus está totalmente presente, sendo Jesus, como humano, não ‘totalmente’ Deus, o mesmo – gradualmente diferente – vale para nós. Razão pela qual o ‘divino’ está em tudo e todos e, para servir a Deus, só nos resta construir relações respeitosas com todos os seres que pavimentam nosso caminho. Entre as religiões se impõe, incondicionalmente, ‘diálogo e mútua cooperação’. Porém, de formas variadas: com os ‘judeus’, com ‘profundidade’; com os ‘islâmicos’, com ‘amplidão’; com religiões orientais, superficial ou limitadamente; com outras religiões    ‘cristãs’, de forma ‘ampla e profunda’; e entre cristãos católicos, com respeito e complementariedade.

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

SER PAI – NOBRE VOCAÇÃO



Ninguém existe isolado, todos somos eco, reprodução de tantos - de gerações, de milênios, de poeira cósmica, cultural, psíquica e espiritual. Fazemos parte de uma incontável multidão que, prévia e longamente, ensaiou o caminho no qual, hoje, nós andamos. Cada gênio, artista ou santo como também cada mendigo pinga como que do teto da história e escorre pelas paredes da humanidade.

Por sermos uma ’legião’ (Marcos 5,9), a história caminha a passos lentos, embora determinados. Mais que simples elemento na soma de uma multiplicidade, somos parte de uma admirável ‘unidade’, complexa e interconectada. Não há ‘pai’ ou ‘mãe’ que, ao mesmo tempo, não sejam filho ou filha, irmão ou irmã, etc. Em cada um, há algo de muitos, uma estranha e fecunda diversidade.

Se tantas gerações não tivessem existido, Jesus não teria sido, nem eu, nem você. Na história é impossível mover-se independente das ondulações de uma longa tradição; tampouco fora de uma corrente imensa, em que a contribuição de indivíduos e coletividades é promissora ou ameaçadora. Não há planta sem raízes, ninguém se desliga do outro. Somos ‘Corpo’ de Cristo.

Em Jesus, como em nosso ‘pai’, moram outros que, por sua vez, refletem o ‘Outro’. Por que, então, buscar fora ou lá em cima, no céu, Aquele que, de todo ‘pai’, faz seu templo? Foge de outros o refém de si mesmo. Nada de venerar um Deus nas alturas, se fomos advertidos que a única maneira de respeitá-lo é valorizar a nós mesmos nos outros, servindo aos que nos são confiados.

Aprendi de ‘pais’ a lição: o que dos outros espero, em mim cultivarei. Todo gesto de amor, compaixão e solidariedade é vida a fecundar-se. Beneficiado por gerações passadas, me reconheço devedor das futuras. Portador de dons, multiplique eu a graça dos que a mim se doam, navegando nas ondas de um imenso mistério. Parabéns aos Pais: recriar, transbordar é a vocação.

terça-feira, 18 de junho de 2013

ACOLHER O DIVINO



No melodiar da natureza, Deus nos fala;
em estertores vitais, ele se faz dádiva;
no silêncio do tempo, é oferta.

Deus é acolhido em gestos de respeito;
é bem servido por nossa admiração;
deixa servir-se por encontros fraternos.

Reza insistente o desvaloriza,
pedido repetido o decepciona
e louvação formal o põe em fuga.

Dialogar é abrir-lhe uma porta;
na condição de ‘Outro’, nele cremos;
ao admirar o belo, o acolhemos.

Aprisiona-lo em devoções, é traí-lo;
limita-lo à uma crença, o humilha;
dar-lhe morada fixa é mata-lo.

É na fé solta que ele fica à vontade;
em lidar bem com fatos, é servido
e no imprevisto se faz dádiva.

No pulsar do Universo, ele sorri;
clama em protesto de recém-nascido;
em formas de despedida, é abraço.

Na poesia, Deus é leveza de amor;
na arte, se revela criatividade
e na música, encanto universal.

IMERGIR NO DIVINO



Viver é fazer uma travessia. Ora, o realizo em um lamaceiro, meus pés se tornando pesados, imprimindo cansaço ao andar; ora, ando sobre espuma, e a travessia se torna leve. Acontece também que, não raro, ando em pasto impregnado por água, e lá vou eu me arrastando.

Viver é caminhada. Amarrado a meus problemas, canso.Quando, livre de mim e imerso no ‘divino’, a travessia não pesa.Sereno, usufruo de encantamento em um clima de paz.Posso viver, calculando a distância da travessia. Aí, já no início, sinto o peso da caminhada.

Posso também prender-me, antecipadamente, à chegada,  sentindo-me envolvido por abraços amigos. Na vida, o caminho não é tanto a estrada; é, antes, um estado de espírito.Hei de viver agraciado pelo ‘divino’  - nuvem a me abrigar – que me desprende de mim e me injeta agilidade.

Tocado por divino ‘sopro’ - livre de mim - sinto-me encantado pelo que me cerca e acontece. Por tudo e todos, o ‘divino’ me atrai. Sim, me inspira, me puxa e impele, me levanta quando caio. Nem o favorável nem o desfavorável dão conta de me aprisionar. Nem o triste nem o alegre determinam meu humor;nem o fácil nem o difícil me fazem rir ou chorar.

Parece, não sou daqui nem dali; não me deprimo nem me exalto; não suplico nem insisto, estou identificado com o viver. Sim, assumo o acontecer com seu partir e chegar, seu pedir e agradecer, seu rir e chorar. Mãos divinas me conduzem, a corda da vida se faz solta. O existir me alegra na tristeza, me torna agradecido na perda. Encurto até distâncias, no tempo e no espaço, envolvendo, desde já, o futuro pelo presente.

Não sou nuvem nem sol, mas aparência de leve neblina a deslizar, elegante, na correnteza do ar. É o ‘divino’ que me atrai e empurra, me identifica com diferentes, me iguala a opostos, me integra com os que me cercam. Viver se torna leve e transparente; o caminho se dissolve. Já cheguei, embora ainda distante; já cumpri meu papel, embora ainda no meio do caminho. Estou em paz.

quarta-feira, 29 de maio de 2013

DEUS - PAI - FILHO - ESPÍRITO

Graças à fé no Pai, na vida feliz balanço,
algo, valioso para mim, assim alcanço.
Muito me alegro na condição de filho,
o Espírito me reveste de novo brilho.

Pai imprime nobreza ao destino,
Filho sempre me há de fortalecer;
o testemunho de ambos é valioso tino,
Espírito a todos há de engrandecer.

Fé na Trindade sempre me assegura:
o Divino Ser irradia ternura.
Feliz bem-estar na solidariedade,
Filho – Espírito – luz: amor é Trindade.

Em três, Deus, é abençoado poder:
faz que em natureza e convivência
a morte não seja só estremecer,
em tudo e todos suave inocência.

Em nossa fé, alegria e confiança;
crer em Deus gera bonança.
Pai é, acima de tudo, coração;
em Filho e Espírito suave união.

Na vida, Trindade é pura alegria,
 coloca todos em clima de paz.
Em um e outro, dádiva à porfia;
de viver alegre, me torna capaz.

No dia a dia, minha fé é fortaleza,
Pai me orna com grandeza;
Filho me traz inspiração,
ao Espírito eterna gratidão.
 

TRINDADE

Tradicionalmente, quanto à Trindade, apelava-se à figura do triângulo ou de três fósforos acesos – três formando um só, diversidade na unidade. Tal expediente não corresponde às exigências da mentalidade moderna. Hoje preferimos dizer que Deus -Trindade nos é muito próximo, como o coração de uma pessoa amiga. Servem para ele os nomes: presença amiga, poder libertador, inspiração, parceiro na viagem.

Atualmente não sentimos tanta necessidade de demonstrar a existência e a natureza de Deus. Respeitamos seu mistério. Basta que reconheçamos, em nós, o divino. Nenhuma instituição ou religião pode ter o monopólio sobre Deus, sendo que a humanidade toda o admite e acolhe sem pretender idéias absolutas. Contentamo-nos com a abertura da confiança amiga, longe da aridez de ritos e tradições.

Jesus se fez testemunho exemplar, apresentando um Deus tão próximo e amigo a ponto de sentir-se na condição de filho frente ao Pai, possuído por seu mistério e portador – como toda pessoa – de uma riqueza infinita. Daí, sua postura de lutar por justiça e compaixão a favor de todos, de preferência em prol dos menos valorizados. Até os aparentemente indignos desfrutam dessa mesma filiação divina.

Esse jeito filial de Jesus, sabendo-se unido ao Pai e devedor de seus irmãos em serviço libertador, é o chamado “espírito” que nos guia no caminho da Boa Nova do Evangelho. Em vez de onipotência distante, Deus é amor compassivo. Nem merece ser abordado como Pai que está no céu, pois move-se na terra, em nosso coração e nas relações fraternas que construímos. Em Deus, somos templo do Espírito.

A fé no Deus ‘uno e trino’ não engrandece o próprio Deus e, sim, a ‘relação’ com ele. Dessa forma, crer na Trindade se há de fazer garantia de uma religiosidade sem moralismo e fonte de solidariedade; evita que a Igreja, mais que instituição, seja assembleia do Povo de Deus’. Não há oposição discriminatória entre clero e laicato,  a fé na Trindade faz da Igreja uma universal fraternidade.
 

REINO DOS OPOSTOS

Surpreendente o meio em que vivemos,
estonteantes experiências virão.
Nunca o bem existe sem o mal,
tampouco há justiça sem desordem.

Que seria da virtude sem pecado;
luz teria graça sem trevas?
Valeria a saúde sem ameaça de doença,
alegria sobreviveria sem tristeza?

Há eterna dependência entre opostos:
encanto do dia se deve à luz-escuridão.
Juventude sem velhice é um paradoxo;
santidade sem pecado algo estranho.

Se o bem é conquista, o mal é a realidade;
pela estranheza da polaridade a criança se afirma.
A realidade transcende nossa consciência;
minhas convicções incluem ambivalências.

Não há harmonia sem paradoxal oposição
como é impossível ter ideias imutáveis.
Juventude fechada em si
terá a aridez da velhice sem sonho.

Se a realidade é a soma de dualismos,
a diversidade é a alma da música e da arte.
O feio e o belo pertencem à mesma realidade,
como o dia e a noite são inseparáveis.

Ordem, retidão e moralidade são devedores
de anormalidade, ignorância e confusão.
Partes integrantes da mesma unidade
somos gritante diversidade.

Como na verdade, não raro, sinal de inverdade,
não progredimos sem alguma derrota.
Quem não assume suas fragilidades,
não transforma desafios e promessas.

Viver é acostumar-se ao incerto,
familiarizar-se com experiências novas.
Sem o vazio dentro ou fora de si,
não há esforço de crescer.