Deus não é uma ‘pessoa’ comum - feita à nossa imagem e semelhança. Presente em tudo, ele não age em nós como simples ‘causalidade’. Nem cabe a Deus a tarefa de ‘chamar’. Se, de alguma forma, ele chama, sua voz é a ‘natureza’ com suas leis, é a ‘cultura’ em suas expressões, como ainda é – e sobretudo - o ‘senso social’ das pessoas de fé, quando sensíveis ao complexo tecido de suas ‘relações’.
Um suposto chamado de ‘Deus’ não
se restringe a ‘indivíduos’ e a ‘autoridades’. Deus, entrelaçado com o todo do
universo e da história humana, se irradia em/por todos os condicionantes da
realidade e nas circunstâncias que envolvem a convivência neste mundo, na
Igreja.
O chamado de Deus nunca é isolado
nem direto, uma vez que ele é a fonte e o sustento do tecido cósmico das ‘relações’.
Seu chamado é como o viço da planta favorecida por terra boa, por chuva oportuna e pelo calor benfazejo do
sol, como também pela claridade do dia e pela escuridão da noite. Nesse sentido, não há ‘vocação’ sem
qualidades adequadas do servidor e sem circunstâncias favoráveis por parte de
quem se faz vocacionado.
Razão pela qual, facilmente
ocorre um equívoco ou mistificação, podendo o pretenso ‘chamado’ ser usurpador
da vocação por simples ânsia de poder ou
até por medo de incapacidade de auto-determinar-se em seu contexto. Nesse
sentido, o indivíduo passa a ser refém de um desequilíbrio, vítima do medo
existencial ou até fugitivo de uma responsabilidade que realmente lhe cabe.
Em vez de Deus ‘chamar’, é a
própria pessoa que, quando insegura, se atribui, em forma de projeção e até de
medo, o pretenso chamado. Nessa perspectiva, os chamados são, antes,
usurpadores do poder do que leais prestadores de serviço. São até ameaça ao bem
comum ou déspotas.
Não há, de um lado, o Deus que
chama e, do outro, a pessoa subjugada. O que, de fato, há é o Deus ‘inserido’
no cerne de tudo e todos e, por outro lado, os que - responsável ou imaturamente
– assumem a incumbência de uma missão em benefício de terceiros. Nunca é Deus que,
de fora, decide chamar, mas sempre são as pessoas, que, imaturas ou adultas, decidem
assumir um serviço fraterno por motivos, pretensa ou realmente ligados a Deus, em
benefício de outros.
Tampouco há ‘plano’ - por Deus
ser ‘salvação’, vida de qualidade - que nos envolve no sentido de que todos já desfrutam
de sua riqueza. Quem serve ao bem-estar de outros, em qualquer setor, segundo o
testemunho de Jesus, em benefício da comunidade, considere-se pessoa ‘chamada’
por Deus, embora seja ela mesma que, por doação, se dispõe corretamente a esse
ou àquele serviço.
Todo ‘vocacionado’ é o que é à
medida que, sem apropriação indébita, decide - pessoal e socialmente movido -
prestar serviços a terceiros. Supõe-se que, previamente, tenha auscultado
‘sinais’ da realidade e, por eles tocado, decide investir seus dons, seu tempo,
sua vida a fim de promover o bem comum, sempre em proveito da convivência. Todo
vocacionado, portanto, tem por missão ser ‘fator de acréscimo’, em um clima de
autonomia e colaboração, como generosa doação.
Deus será bem servido graças ao
crescente bem-estar de pessoas, à melhoria da convivência, sempre em um clima
de liberdade e diálogo. Promove-se, dessa forma, o crescimento de quem serve à
boa realização dos que são beneficiados por um serviço promocional e libertador,
desde que contem com a aprovação da comunidade eclesial.