sábado, 31 de março de 2012

ESPIRITUALIDADE DO LIMITE

Em natureza e cultura, o que semeamos ou plantamos, tudo cresce, permanece e se desfaz dentro de limites. Gostaríamos que fosse sem limite o ‘tempo’ da infância, da velhice e de outras idades? Saberíamos tolerar um ‘espaço’ sem limite? Desejo suspeito que ninguém daria conta de cultivar sem prazo. É o ‘vir e ir’ que dá viço ao existente, sabor ao viver e conviver. Tudo se inicia e, um dia, se encerra. Também esta reflexão só vai prestar serviço nos limites dessa mesma dinâmica. Esta é a verdade: fator de equilíbrio e de progresso é o ‘limite’.

No equilíbrio de natureza e cultura, tudo e todos se apresentam relativamente ‘equilibrados’ dentro dos limites que lhes cabem. Até o maior milionário e o pior ditador, o papa mais aplaudido e o presidente mais combatido, reconhecerão, um dia - e terão de assumir - seus limites. E mesmo que seja tarde, também isso pode ter algum proveito. Eis o que garante, basicamente, a harmonia no existir. Deslizamos em cima de ondas, ora em seu início ou crescente, ora em seu topo ou decrescente; e isso, um dia, em seu término que, por sua vez, dará lugar a algo ‘novo’. Continua válido o antigo ditado: Vaidade das vaidades, tudo é vaidade.

De fato, impérios se foram, reinados se desintegraram, terras apareceram e se desintegraram como outras surgiram. Nada ou ninguém sempre existiu nem poderá durar para sempre. ‘Tudo com limite’ é a regra do ser, do fazer e do usufruir. A necessidade de um ‘limite’ vale para natureza e cultura, para fé e descrença, para amor e ódio, para trabalho e descanso, para sol, estrelas e terra, para vida e morte. Se em algum setor há exagero – medida desrespeitada – alguma represália haverá, uma vez que a realidade, complexa, está globalmente interligada.
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O que nos inquieta é o imprevisível-incontrolável como inerente ao ‘limite’. Quanto ao ‘tempo’ não controlamos sua ‘medida’ nem seu ‘momento’, que ora nos detêm, ora nos impelem ou, então, simplesmente nos deixam passar. Quanto ao ‘espaço’, é mais fácil avaliarmos o mesmo, se seu limite é de ‘abertura’ ou de ‘fechamento’, de repulsa ou de acolhimento. Segundo essa situação, buscamos segurança, nos ‘detendo’ no lugar ou nos dirigindo ao que está ‘além’. Assim, a porta do escritório, ora nos abriga onde estamos, ora nos convida para ir adiante. Portanto, somos nós que podemos ‘dispor’, permanecendo onde estamos ou nos dirigindo para fora. Bem mais complicado é o limite do ‘tempo’. Este tem algo de ‘ameaçador’, no que dura - e se ‘impõe’ - como no que ‘foge’, fazendo-se limiar-convite ou direcionamento ao ‘novo’. De fato, à medida que o tempo avança, ele pode libertar, enriquecer ou pode vir qual assaltante na noite. O limite do tempo, portanto, se subtrai ao nosso perfeito ‘domínio’.

Somos capazes de usar o tempo, ajustando seu limite, porém sempre de novo o mesmo nos escapa. Tem algo da correnteza do rio: podemos acompanhá-la, mas nunca deixa de correr à nossa frente. Brigamos também com o relógio, cujo tempo sempre nos dribla, prosseguindo sereno e teimoso, nos absorvendo. O passado aumenta, o futuro encolhe. Aqui, não há segredo para dar uma escapada ou para se enganar. Nascer é envelhecer, viver é morrer. Tempo digerido é morte abraçada. Um eventual remédio para escapar seria, por sua vez, um tormento, pois tempo sem limite seria a tortura da ‘mesmice’.

A medida é sempre e universalmente da responsabilidade de todos. Também no caminho da espiritualidade se impõe a variação do limite como – em determinadas circunstâncias - o sol perde seu fulgor e as estrelas seu brilho. Por ‘falta de limites’, colhemos enfermidade, injustiça, guerra, desequilíbrio ecológico - inundações, seca, fome - desrespeito e toda forma de servidão. Resultam do exagero em posse ou carência, em poder ou escravidão, em fraternidade ou injustiça. No auge da floração, se anuncia o limite. O ruim é haver antecipada interrupção, como em formas de desentendimento, violência, desastres e surpresas climáticas. É inevitável: o dia virá em que o telhado cairá. Porém, o modo do desfecho, em nada, nos é previamente comunicado.

Ausência de surpresa é ‘monotonia’, sem lágrima no olho, sem chama no coração. Tempo sem limite é alegria sem surpresa e velhice sem inovação; é uma parábola sem conteúdo e sorriso sem expressão. Apesar de tudo isso, sonha-se com o tempo ‘sem limite’, porém como não há nenhuma narrativa sem fim, para todo exagero está reservado um desfecho negativo. Grudado na alma está o desejo da imortalidade, ao mesmo tempo que apavora por seu vazio. De fato, o sonho do ‘sempre além’ pode privar da atração do ‘para sempre’, do eterno. É preferível substituí-lo pelo momento indomável do ‘agora’ – em que vivemos como simples flor. O limite universalmente imposto é convite para nos exercitarmos em uma liberdade e solidariedade responsáveis.

Se no auge da floração, se anuncia o limite, uma certeza se impõe: ‘O amor de Deus é sem limite’, como também nosso aperfeiçoamento espiritual há de sê-lo. O bem-estar de tantos, como também suas necessidades, nos conscientizam de limites. Dessa forma, se nas ‘relações’, agora, somos convidados a ‘obedecer’ (- fazer-se atento, disponível-) uns aos outros, é no sentido de abandonarmos parcialmente o ‘poder’, investindo-o melhor na ‘autoridade’ (-augére= fazer crescer-). Nesse contexto, o limite se coloca serviço do ‘bem’, o que resulta em benefício de nossa convivência. Muda a relação, aperfeiçoa-se o efeito.

Enfim, o que nos resta é aprendermos a nos deixar seduzir pelo ‘limite pacificador’, quer trabalhando ou descansando, quer aniversariando, brindando ou viajando. Viagem é a vida, somos nós o ponto de partida e de chegada.