Ninguém existe isolado, todos somos eco, reprodução de
tantos - de gerações, de milênios, de poeira cósmica, cultural, psíquica e
espiritual. Fazemos parte de uma incontável multidão que, prévia e longamente,
ensaiou o caminho no qual, hoje, nós andamos. Cada gênio, artista ou santo como
também cada mendigo pinga como que do teto da história e escorre pelas paredes
da humanidade.
Por sermos uma ’legião’ (Marcos 5,9), a história caminha a
passos lentos, embora determinados. Mais que simples elemento na soma de uma
multiplicidade, somos parte de uma admirável ‘unidade’, complexa e
interconectada. Não há ‘pai’ ou ‘mãe’ que, ao mesmo tempo, não sejam filho ou
filha, irmão ou irmã, etc. Em cada um, há algo de muitos, uma estranha e fecunda
diversidade.
Se tantas gerações não tivessem existido, Jesus não teria
sido, nem eu, nem você. Na história é impossível mover-se independente das
ondulações de uma longa tradição; tampouco fora de uma corrente imensa, em que
a contribuição de indivíduos e coletividades é promissora ou ameaçadora. Não há
planta sem raízes, ninguém se desliga do outro. Somos ‘Corpo’ de Cristo.
Em Jesus, como em nosso ‘pai’, moram outros que, por sua
vez, refletem o ‘Outro’. Por que, então, buscar fora ou lá em cima, no céu, Aquele
que, de todo ‘pai’, faz seu templo? Foge de outros o refém de si mesmo. Nada de
venerar um Deus nas alturas, se fomos advertidos que a única maneira de
respeitá-lo é valorizar a nós mesmos nos outros, servindo aos que nos são
confiados.
Aprendi de ‘pais’ a lição: o que dos outros espero, em mim
cultivarei. Todo gesto de amor, compaixão e solidariedade é vida a fecundar-se.
Beneficiado por gerações passadas, me reconheço devedor das futuras. Portador
de dons, multiplique eu a graça dos que a mim se doam, navegando nas ondas de
um imenso mistério. Parabéns aos Pais: recriar, transbordar é a vocação.
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