Houve quem dissesse que, na natureza
não há absolutamente nada que reflita algo de Deus. Este, em nada e ninguém, deposita uma prova de sua presença,
pois em tudo só existiria uma convulsão fortuita de acasos. Mesmo quando esses se complementam e se aperfeiçoam, sucede
somente o que até hoje constatamos: inferiores
desaparecem para dar lugar a superiores,
sendo que esses se aproveitam dos inferiores mediante a lei do evolucionismo.
Darwin enriqueceu essa visão do evolucionismo com a chamada seleção natural. Conseguiram sobreviver
as formas de vida mais bem adaptadas
às circunstâncias. O desafio é verificar de onde teria surgido essa adaptação?
Seriam influências químicas ou irradiações cósmicas que influenciaram o
material herdado – os genes? Caso adequadas,
melhoraram, evoluíram; em caso oposto, pereceram. Esta teria sido a ordem natural das coisas.
O processo seria infindo. De um todo
mais complexo, teria emergido uma
forma nova com propriedades
anteriormente inexistentes. E tal processo se teria repetido ao infinito,
provocando, a longuíssimo prazo, mutações favoráveis até aquelas que hoje
conhecemos. Seriam o resultado de conjuntos de fatores, cada vez maiores e mais
complexos, que produziram formas
novas, mais perfeitas de seres que foram emergindo desse processo.
Estaria mesmo em jogo o chamado acaso? O sentido desse acaso é este: algo
sem prévio direcionamento, algo imprevisível, indeterminável. Enfim, algo além
do necessário
e do intencionado; não fruto de simples acaso,
uma vez que não poderia ter sido diferente.
Razão: processos físicos, sobretudo em macro-nivel, são inevitáveis por seguirem leis fixas.
A extinção dos
dinossauros, há 65 milhões de anos, o comprova. Cientistas afirmam que tanto o tempo como o espaço estavam determinados. Aqui, ‘acaso’ significa simplesmente
que, com frequencia, não se pode ter idéia dos fatores infindos a
explicar o resultado. Algo assim pode ser a origem do olho humano e a forma e o
colorido variados de borboletas e peixes.
Processos naturais não carecem de uma intenção;
basta a cadeia de causas naturais. Só
por não se enxergar uma real intenção,
isso ainda não significa que não
existe. Eventuais intenções exteriores não
pertencem às leis da mecânica, das
ciências exatas, na quais as leis são sempre as mesmas. No caso de algo nos surpreender, podemos até falar do acidental, do fortuito, do
ocasional. Porém, avaliações, subtraídas
às ciências exatas, não são objetivamente
confirmáveis.
E quando confiadas às mesmas, não são
reflexo de uma verdade única e total. Aqui, todo respeito é pouco, toda
manipulação é um equívoco. O que há, com frequência, é uma forçada sublimação religiosa ou a simples ignorância. O que temos de evitar a todo
preço é recorrer a uma intervenção celeste
para explicar realidades terrestres.
Afinal, milagre – algo sem causa ou
acima e contra as leis é uma contradição, não pode existir, nem Deus o pode realizar.
Progressivamente, em um processo evolutivo
e tocados pelo ‘divino’, puderam desprender-se, a fim de se tornar pecinhas
em um
mosaico universal
multicolorido, em um cosmos pluralista encantador. E eis que Deus se foi
tornando cada vez mais formoso na Criação que se afirmava em sua dignidade
‘autônoma’ em clima de ‘interconectação cósmica’.
Exemplo. Se eu me desse
ao trabalho de colar mil pingos de tinta, de cores variadas, em mil pecinhas de
mármore, alguém até poderia enxergar uma obra de arte, a maioria seria da
opinião que isso nada tem a ver com um quadro. Pergunto: um biólogo pode achar
que a evolução da natureza está destituída de um direcionamento, de um plano? Pode até concluir que há um artista
escondido na origem da natureza ou em uma peça musical. Mas nesse caso, ele já
não se pronuncia como praticante de ciências
exatas. Nada contra.
Afinal, o domínio dessas
ciências, por valioso que seja, se limita a um segmento parcial do todo do conhecimento humano. Mais. O ser humano
é superior a um cientista e o alcance
de seu conhecimento é mais amplo que o das ciências.
Ainda bem. A vida seria assustadoramente pobre, caso tivesse de limitar-se a
certezas cientificamente verificáveis.
O que seríamos sem amor e beleza, sem arte e justiça, sem filosofia e
poesia, sem política e religião, sem amizade, sem fé e esperança? Além
disso, verdade é um conceito mais
rico que exatidão. Verdade implica perspectivas reveladoras e sentenças
relativas a níveis mais profundos da realidade. (Claro, tais sentenças jamais
podem estar em conflito com certezas provadas
no domínio científico, senão a verdade se anularia a si mesma.)
OCASIONALIDADE CEGA OU
DIRECIONAMENTO PLANEJADO?
A segunda escolha agrada mais à admiração pela grandeza de tudo que vive e também à
própria evolução em seu conjunto. Por
outro lado, nega a autonomia inerente
ao todo do Cosmos; e, por sua vez, não deixa a teonomia intacta, soberana.
Afinal, Deus não merece ser reduzido a um intervencionista.
Melhor é comparar Deus com Mozart, cuja sonata é
qual imensa catarata de sons. Estes, tocando nosso ouvido, se transformam em
impulsos elétricos a se tornarem uma ondulação, desencadeando uma reação agradável.
É como se o espírito do artista se incorporasse na matéria e transbordasse a
mesma para envolver os ouvintes extasiados, elevando-os espiritualmente.
Ora, esse espírito expresso e alojado, na matéria,
é fator de criação. Assim, até no
darwinismo mecanicista faz sentido
enxergar a presença, a ação de uma realidade
ou dimensão espiritual – em nosso
caso, Deus - que, em ricas e variadas
formas de matéria e de vida, revela progressivamente sua presença admirável e
misteriosa. Isto possibilitou que da não-vida viesse a surgir, um dia, a vida e do inconsciente a consciência reflexiva.
Abrigados em Deus - depois da irrupção original -
vida e consciência, amor e beleza já se encontravam embrionárias na matéria, na energia ainda em suas formas não vivas.
Progressivamente, em um processo evolutivo, e tocados por esse divino, puderam desprender-se a fim de
se tornar pecinhas em um mosaico universal multicolorido, em um cosmos
pluralista encantador.
E eis que Deus se vai tornando cada vez
mais formoso em sua criação e esta, altaneira, se vai afirmando em sua
dignidade autônoma em
clima de interconectação cósmica.