Viver
é fazer uma travessia. Ora, o realizo em um lamaceiro, meus pés se tornando
pesados, imprimindo cansaço ao andar; ora, ando sobre espuma, e a travessia se torna
leve. Acontece também que, não raro, ando em pasto impregnado por água, e lá
vou eu me arrastando.
Viver é caminhada. Amarrado a meus problemas, canso.Quando,
livre de mim e imerso no ‘divino’, a travessia não pesa.Sereno, usufruo de
encantamento em um clima de paz.Posso viver, calculando a distância da
travessia. Aí, já no início, sinto o peso da caminhada.
Posso
também prender-me, antecipadamente, à chegada, sentindo-me envolvido por abraços amigos. Na
vida, o caminho não é tanto a estrada; é, antes, um estado de espírito.Hei de
viver agraciado pelo ‘divino’ - nuvem a
me abrigar – que me desprende de mim e me injeta agilidade.
Tocado por divino ‘sopro’ - livre de mim - sinto-me
encantado pelo que me cerca e acontece. Por tudo e todos, o ‘divino’ me atrai. Sim,
me inspira, me puxa e impele, me levanta quando caio. Nem o favorável nem o
desfavorável dão conta de me aprisionar. Nem o triste nem o alegre determinam
meu humor;nem o fácil nem o difícil me fazem rir ou chorar.
Parece,
não sou daqui nem dali; não me deprimo nem me exalto; não suplico nem insisto,
estou identificado com o viver. Sim, assumo o acontecer com seu partir e
chegar, seu pedir e agradecer, seu rir e chorar. Mãos divinas me conduzem, a
corda da vida se faz solta. O existir me alegra na tristeza, me torna
agradecido na perda. Encurto até distâncias, no tempo e no espaço, envolvendo,
desde já, o futuro pelo presente.
Não sou nuvem nem sol, mas aparência de leve neblina a
deslizar, elegante, na correnteza do ar. É o ‘divino’ que me atrai e empurra,
me identifica com diferentes, me iguala a opostos, me integra com os que me
cercam. Viver se torna leve e transparente; o caminho se dissolve. Já cheguei,
embora ainda distante; já cumpri meu papel, embora ainda no meio do caminho. Estou
em paz.