Ao olhar nos olhos de quem se gloria de crer em Deus, cabe a nós um sorriso amigável, movido por uma pitada de
compaixão.A razão é simples: no máximo, a pessoa não sabe de que está
falando e, no mínimo, pretende justificar-se.
Por estranho que pareça, uma singela fé em Deus requer uma
dose de ‘ateísmo’, que há de ‘autenticar’ o amor, livrando-nos de toda cobrança.Crer na vida após a morte é algo pretensioso ou algo muito
ingênuo.Pé no chão é viver tão bem ‘neste’ mundo - livre perante
Deus –como se outra vida não houvesse. Sim, crer em ‘outra’ vida
tem pouco sentido e até nos pode
dificultar, no dia a dia, a prática do bem.
Crer ao máximo nesta vida presente, nos dispõe realmente a insuspeitas possibilidades. Esta é a sabedoria da feliz ‘descrença’. Aliás, já se
observou: Só porque uma viagem, um dia, termina, não é razão de não
empreendê-la. A ideia da morte é capaz de nos confraternizar em nobre pequenez com
ternura.
Em nossa absoluta solidariedade frente à morte, o importante é assumir o fato com
o dinamismo do amor benfazejo a nos trazer tranquilidade. Esta é uma boa razão para se viver o amor ‘gratuitamente’. Havendo um ‘outro’ mundo, ele tem de ser construído também
‘aqui’.
Não é só ‘após’ a morte que somos ‘eternos’, mas desde
agora. É o amor vivido no tempo, que dá valor ao nosso viver. A
eternidade é ‘agora’ e, o que hoje fazemos dá valor ao tempo. Há no ser humano, e
até mesmo no próprio corpo, uma potencialidade - um transcender a si mesmo. É a capacidade de situar o além no ‘aqui’.
Mais que viver a morte, somos chamados a viver ‘na’
morte. Quando lidamos com a vida, como se estivéssemos em plena paz
com ela, já vivemos, aqui, no 'lado de lá'. Ao irmos além de nossos
limites, assumindo-os com naturalidade, revelamos a ‘transcendência’
em nós.
É qual paixão de amor e de paz que nos invade. É a vida que,
em um teste, nos eleva acima de nós mesmos e nos deixa admirados. Pode ser uma prefiguração da morte: em vez de ser um fechar
de porta, será o abrir de um novo
horizonte.
De fato, na prática não se encontra em ‘agonias’ nenhum questionamento metafísico relativo ao ‘lado de lá’. Na vida, impregnados por algo que nos ultrapassa, não precisamos temer o ‘lado de lá’, sendo que ‘já’ o vivemos no ‘lado de cá’.
A transcendência do amor – Deus em nós – nos coloca
confiantes diante da morte. A abertura do coração nos assegura que, no amor, algo novo nos é infundido. É o ‘lado de dentro’ em nós.
E haverá paz.
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